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Gisèle Pelicot: as 5 perguntas sem respostas após o julgamento

Embora esse julgamento histórico tenha sido concluído, ainda há questões pendentes sobre o caso Pelicot e o que vai acontecer a seguir. Gisèle Pelicot disse que nunca se arrependeu da decisão de tornar público o julgamento.

GETTY IMAGES via BBC

Gisèle Pelicot saiu de um tribunal no sul da França na quinta-feira (19/12), depois que seu ex-marido ser condenado à prisão por 20 anos por drogá-la e estuprá-la, além de ter convidado dezenas de estranhos para também abusarem dela por quase uma década.

Dominique Pelicot, de 72 anos, foi considerado culpado de todas as acusações por um juiz em Avignon.

Ele estava em julgamento com outros 50 homens. Todos eles também foram considerados culpados de pelo menos uma acusação, embora as penas de prisão acabaram menores do que os pedidos feitos pelos promotores.

Embora esse julgamento histórico tenha sido concluído, ainda há questões pendentes sobre o caso Pelicot e o que vai acontecer a seguir.

1. O que Gisèle Pelicot fará agora?

Quando ela subiu os degraus do tribunal de Avignon pela primeira vez em setembro, ninguém sabia o nome de Gisèle Pelicot.

Ao longo das 15 semanas seguintes, a fama dela como uma vítima de estupro que se recusou a ter vergonha cresceu vertiginosamente.

Quando ela deixou o tribunal na quinta-feira (19/12), uma multidão de pessoas gritava seu nome e sua foto estava nas primeiras páginas de jornais do mundo inteiro.

Ela é agora talvez uma das mulheres mais conhecidas da França. Isso significa que, embora tenha parado de usar o sobrenome do marido, será impossível para ela retornar ao anonimato que a serviu tão bem enquanto tentava reconstruir uma vida após a revelação dos crimes cometidos pelo companheiro.

Gisèle não é a primeira pessoa cujo sofrimento inimaginável a transformou em um ícone.

Com grande custo pessoal, ela se tornou o símbolo de uma luta que nunca escolheu.

Parece improvável, então, que ela queira se tornar uma ativista declarada contra a violência de gênero ou uma figura feminista proeminente.

Em vez disso, ela pode voltar ao que sempre a deu consolo: música, longas caminhadas, chocolate e os sete netos.

"No início do julgamento, ela disse: 'Se eu durar duas semanas, será muito.' No final, ela conseguiu aguentar três meses e meio", relatou Stephane Babonneau, advogado que representou Gisèle.

"Agora, ela está em paz e aliviada que tudo acabou", acrescentou ele.

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2. O que realmente aconteceu com Caroline?

Dias depois que os crimes de Dominique Pelicot vieram à tona, sua filha Caroline Darian foi à delegacia e teve acesso a fotos de uma mulher aparentemente inconsciente vestida com uma lingerie desconhecida.

Mais tarde, ela disse que sua vida "parou" quando percebeu que olhava para fotos de si mesma.

O pai sempre negou ter tocado nela, mas Caroline — cuja angústia e devastação eram aparentes em muitas sessões judiciais — disse que nunca acreditaria nele e o acusou de olhar para ela "com olhos incestuosos".

Mas a falta de provas do abuso que Caroline está convencida ter sofrido a levou a dizer que ela é "a vítima esquecida" do julgamento.

Esse ponto de vista visivelmente se infiltrou no relacionamento que ela tem com a mãe.

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Em suas memórias — publicadas após a prisão de seu pai — Carolina acusou Gisèle de não mostrar apoio suficiente e implicitamente ficar do lado do ex-marido estuprador.

Embora Gisèle e os filhos sempre tenham se sentado lado a lado no tribunal, muitas vezes aos sussurros, houve sinais do preço que o julgamento teve no relacionamento familiar.

Na sexta-feira (20/12), o irmão de Caroline, David, destacou — como já havia feito antes — que o julgamento não foi apenas sobre Gisèle, mas sobre toda a "família aniquilada".

"Nós, os filhos, nos sentimos esquecidos", disse ele.

"Honestamente, sinto que, embora nossos advogados tenham feito um trabalho notável na defesa de nossa mãe, fomos pouco levados em consideração."

Em suas memórias, Caroline lamentou a "negação de Gisèle como um mecanismo de enfrentamento".

"Por causa do meu pai", ela escreveu, "agora estou perdendo a minha mãe."

3. Quantos réus vão entrar com recursos?

Além de Dominique, todas as penas de prisão impostas aos réus foram menores do que os promotores haviam exigido no início do processo.

Vários advogados de defesa estavam visivelmente satisfeitos, o que significa que é improvável que eles incentivem seus clientes a apelar contra as sentenças.

Um homem chamado Jean-Pierre Maréchal pegou 12 anos de prisão — cinco a menos do que os promotores haviam defendido — e seu advogado Patrick Gontard disse à BBC que estava "fora de questão" uma apelação futura.

Um dos réus na entrada do tribunal.

GETTY IMAGES via BBC

Os meses ou anos que os homens passaram em prisão preventiva contarão para o total da sentença, o que significa que alguns podem ser libertados em breve se tiverem cumprido a pena mínima.

Um homem que enfrentaria 17 anos de detenção acabou condenado a oito anos — e seu advogado Roland Marmillot disse à BBC que, como ele já havia passado vários anos no sistema prisional, é provável que seja libertado em breve.

Ainda assim, na manhã após o encerramento do julgamento, dois homens presos por oito anos já haviam apresentado recursos contra a decisão da corte.

Espera-se que mais pedidos do tipo acontençam nos próximos dez dias — o período em que esses recursos podem ser apresentados pela defesa.

4. Do que mais Dominique Pelicot poderia ser culpado?

Dominique Pelicot admitiu ter agredido e tentado estuprar uma corretora imobiliária de 23 anos, conhecida pelo pseudônimo Marion, nos subúrbios de Paris em 1999.

Um pano impregnado com éter foi colocado sobre a boca da vítima, mas ela conseguiu lutar contra o agressor e fugir.

Foi somente em 2021, depois que Dominique foi preso pelos crimes que infligiu à esposa Gisèle, que o DNA dele foi cruzado com uma partícula de sangue encontrada no sapato de Marion — e ele admitiu a culpa nesse outro caso também.

No entanto, Dominique negou qualquer responsabilidade em outro caso arquivado — o estupro e o assassinato de uma jovem corretora imobiliária, Sophie Narme, em 1991, para o qual não há registros de DNA.

Os investigadores argumentaram que os dois casos apresentam muitas semelhanças para serem meras coincidências.

Outros casos arquivados com modus operandi semelhantes ​​também estão sendo analisados ​​novamente pelos investigadores franceses.

5. O julgamento representará um ponto de virada?

"Haverá um 'antes' e um 'depois' do julgamento de Pelicot", declarou um homem parisiense à BBC nos primeiros dias das sessões na corte.

Para muitos, esse sentimento só cresceu nos últimos meses, durante os quais a intensa cobertura da mídia sobre o julgamento de Pelicot gerou inúmeras conversas sobre estupro, consentimento sexual e violência de gênero.

"O que precisamos fazer é ter sentenças muito, muito mais duras", disseram Nicolas e Mehdi, dois moradores de Mazan — a vila onde os Pelicots viviam — à BBC.

Eles disseram que ficaram "enojados" quando descobriram que um dos réus era um homem com quem jogaram futebol.

"Com sentenças mais longas, eles pelo menos pensarão duas vezes antes de fazer coisas assim", disseram os entrevistados, acrescentando que era "loucamente injusto" que alguns dos homens pudessem sair da prisão nos próximos meses.

O julgamento de Pelicot inspirou pedidos de mudanças nas leis francesas sobre consentimento sexual.

GETTY IMAGES via BBC

Vale a pena notar, no entanto, que o risco de ser condenado à prisão durante 20 anos por estupro agravado (como prevê a lei francesa atual) não impediu Dominique Pelicot de oferecer a esposa inconsciente para ser estuprada por estranhos que ele conheceu na internet.

Nos últimos meses, foram feitos diversos apelos para reformar a legislação francesa sobre estupro com o objetivo de incluir conceitos de consentimento sexual.

No entanto, o debate estagnou e exigirá um trabalho considerável no atual parlamento francês, que está bastante dividido.

Alguns argumentaram que as escolas têm a responsabilidade de ensinar melhor as novas gerações sobre sexo, amor e consentimento.

Béatrice Zavarro, advogada de Dominique Pelicot, declarou acreditar que "a mudança não virá do Ministério da Justiça, mas do Ministério da Educação".

Françoise, que mora no mesmo bairro de Gisèle e Dominique Pelicot, disse à BBC que acha que é preciso encontrar uma maneira de diminuir a distância entre o que as crianças aprendem nas escolas e o tipo de material ao qual elas têm acesso no mundo virtual.

"Os jovens são muito expostos ao sexo na internet e, ao mesmo tempo, as escolas são muito pudicas", disse ela.

"As escolas deveriam ser muito mais abertas e francas para corresponder e explicar o que as crianças veem."

Todos esses debates revelam que, embora possa levar tempo até qualquer mudança tangível, uma conversa mais ampla já começou a acontecer. E ela continuará até que não existam mais perguntas sem respostas.

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